O MENINO DA FOTO
AUTOR: Elismar Santos
O que dói é a saudade da mãe. Deitado debaixo da marquise, Luís se ajeita. Faz frio, mas não tanto quanto nas noites anteriores. A fome é suportável; nessas noites de fim de ano as pessoas dão o que comer para quem mora na rua. Não dera sorte de ganhar roupas, só tem a camisa branca encardida cheia de rasgões e o short de jogar bola. Foi com eles que saíra de casa há mais de um ano.
Não dava pra ficar. Até que a falta de comida, os xingamentos do padrasto, o mínimo carinho da mãe, tudo isso era suportável. Mas ver a velha apanhando não dava. Ou morreria ele ou o padrasto. Até que numa noite, quando havia baile na favela, ele chegara embriagado, pegara a mulher pelos cabelos e começara a bater. Luís não aguentava mais, dera uma única facada e desceu correndo pelos becos. Ainda ouvira os choros da mãe tentando segurar o bêbado ensanguentado.
Nunca mais tivera qualquer notícia da mãe ou do velho. É melhor assim. Faz um ano que está longe, a saudade dói, mas ele aguenta. Isso o fez mais forte, já é um homenzinho. Talvez um dia volte à favela, e, se a mãe o tiver perdoado (dizem que as mães sempre perdoam) haverá de se explicar e dizer que tudo aquilo fora para a sua proteção.
O sono não vem. Com tanto movimento, não dormirá tão cedo. O melhor é ir para a praia, ver os fogos da Virada. Além do mais, pode ser que consiga alguns trocados, ganhe algum celular, pode ser que os meninos estejam por lá cheirando cola ou jogando bola na areia.
As nuvens estão espalhadas, deixando entrever a lua toda formosa. Na favela é que ela era bonita de verdade. De lá via toda a cidade e os fogos pareciam explodir bem junto dos barracos. A praia está cheia, mas Luís não vê os meninos. Os fogos pipocam nos céus, e a imagem é sempre bonita. Lembra-se de que as pessoas pulam as ondinhas para dar sorte. Não sabe quantas, mas quer pular. Tira a camisa e põe junto de uma barraca. Todos olham para o céu e ninguém o vê entrando no mar.
O frio é suportável, a água o aquece. Pula algumas ondas, na esperança de que um dia possa voltar pra casa, abraçar a mãe, ser menino de novo.
Parte significativa da sociedade pensa que o contexto social é irrelevante na formação da criança.
As mazelas sociais são invisíveis, não chocam, tornaram-se banais, não causam indignação.
A sociedade de consumo produziu um indivíduo agudamente materialista, egocêntrico e egoísta. Tornando-o insensível perante as consequências.
O status quo pós consternação momentânea, mostra o desprezo do poder público e da sociedade perante as chagas sociais.
REFLEXÃO
Devemos ir além da imagem retratada na foto. Temos que encontrar um sentido, um significado mais profundo para irmos além da indignação momentânea. A mudança de atitude da sociedade e do poder público não vai fluir como um passo de mágica somente pela imagem impactante capitada pela foto. A mudança virá das discussões contundentes e efetivas dos nossos complexos e seculares problemas sociais. Devemos extirpar nossos preconceitos e desejos pessoais e buscar uma solução coletiva para nossos problemas.
☠️☠️SANDRO LUCAS☠️☠️
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